terça-feira, 26 de junho de 2012

Medicina Subjetiva


   Lá estou jogado no hospital, esparramado numa cadeira de rodas gelada, encostado num canto qualquer de um corredor gelado às três horas de uma madrugada gelada. A tremedeira incontrolável do meu corpo denunciava algo errado em mim, caso não fosse convincente a transcrição das sessões de vômitos e falta de ar nas últimas seis horas.
   Não haveria possibilidade de ter chegado ao local por conta própria; fui acudido por um primo que me deixou entregue ao excelente trabalho profissional médico da cidade (palmas a eles) e impedido de ser acompanhado, pelo irmão, que fosse – maior de dezoito vai desacompanhado, mesmo que não consiga andar e não haja nenhum enfermeiro para a assistência.
   O primeiro assistente a aparecer, longos minutos após minha entrada, questionou:
   — Houve uso de drogas?
   — Não – a resposta soltou-se naturalmente entre o sôfrego respirar.
   — De nenhum tipo? Ou bebida alcoólica?
   A mesma resposta, sem forças para ser detalhada. O médico responsável chega com o formulário.
   — Falta de ar e fraqueza?
    Assenti.
   — Houve uso de drogas ou bebida?
   Neguei. Interessante como, quando se consente, a necessidade de confirmação se ausenta. No caso da negação, a dúvida impera.
   — Tem certeza? Nenhum tóxico ou fumo? Ou bebida alcoólica, energética?
   Reafirmei, no caso re-neguei (desculpe o traço, sem ele o sentido da palavra poderia ser mal compreendido). Não obstante ao óbvio – um jovem de vinte e tantos anos, sem ar, sem forças para andar e tremendo tem a predefinição de estar drogado – ele avançou ao próximo estágio de doença moderna disseminada:
   — Está nervoso? – não doutor, estou contentíssimo em passar mal e me entregar aos seus cautelosos cuidados; não tinha forças para responder desta forma, esperei que ele disparasse a próxima pergunta – Está sofrendo algum tipo de pressão, momentos de stress? Está passando por dificuldades? Anda ansioso?
   De primeira, esbocei meu não com o balançar horizontal da cabeça. Para não mudar o padrão, ele repetiu as perguntas – nervoso?, problemas?, stress?, ansioso?, expectativas?, impaciente? – o que me levou a uma rápida reflexão e uma conclusão clara: sim, eu estava! Um milagre, o médico tirou do meu interior a resposta para os problemas.
   — Sim, talvez um pouco – respondi exausto pelas apunhaladas que o meu metabolismo vinha me aplicando naquelas horas. Ora, me diga você, quem não sofre destes males? Quem não possui um problema sequer, não mantém uma gota de ansiosidade? Alguém sem desejos, é provável, sem expectativas. Que pergunta a do doutor! Deveria ter pulado, o rapaz chegou tenso e debilitado, não é drogas, marca no papel “é o mal do século” que já se resume tudo!
   O resto é padrão. Aplicou o soro, esqueceu-me lá e foi dormir até que dessem conta, um par de horas depois, que eu ainda estava tombado num canto. Acordaram o profissional, assinou a ficha e me dispensou. Só por curiosidade, antes de lhe entregar a ficha para a liberação, dei uma conferida no “prontuário”. Havia lá o campo dos problemas, preenchido pela meticulosa letra médica: problemas familiares! Sim, fui até o hospital de madrugada, soltei-me numa cadeira para debilitados e esperei o castigo da ineficiência do sistema médico municipal simplesmente para limpar de minhas veias, com o miraculoso soro, os meus terríveis problemas familiares, estes das quais não sabia que possuía até ler o tal formulário.
   Pelo menos me vi salvo das estatísticas de mortalidade dentro dos hospitais por erro médico. Sou um vitorioso, ao final das contas! Devia é estar agradecendo a campanha bem-sucedida da equipe plantonista.
   O erro, no caso, foi meu por ter comentado muito baixo e uma única vez para a moça que me recebeu na porta do hospital que provavelmente havia pegado uma virose. Ora, havia até me esquecido que no dia anterior sentei à mesa ao lado de quatro outros indivíduos que estavam infeccionados. Não posso negar que eu estava ansioso, o que deve contar mais do que um vírus nestas ocasiões.

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