sábado, 29 de junho de 2013

Criatividade Nula

   A vida artística de Bento aflorara, as entranhas do eu-poético remexendo no interior de sua mente. O orgasmo artístico que nunca chegava causava-lhe arrepios constantes, promessas de um futuro glorioso e enriquecido. Aos vinte e cinco anos se projetava como um gênio que deveria ser reconhecido. Decidira numa tarde ensolarada e úmida escrever algo.
   Avisou à família e aos amigos, como costumava fazer sempre que podia, que iria ficar recluso em seu quarto para escrever e estava restritamente proibido perturbá-lo. Ao final, perderia mais tempo salpicando em páginas da internet ou nas atualizações de redes sociais do que exercitando o ócio criativo numa partida de paciência ou fitando um documento do Word em branco. A despeito disso, realmente sentou na escrivaninha e ligou o computador. Fitou a página em branco, mas não tinha capacidade para escrever nada; esperava uma epifania, a inspiração da musa grega para que as palavras rolassem por seus dedos. Não queria ele ser um escritor famoso pelo labor da arte de criar e organizar pensamentos, achava que era um escolhido de Deus para transcrever as palavras divinas do romance clássico que marcariam toda uma geração.
   Sem que recebesse inspiração mítica, decidiu por apelar ao lado calculista e metódico; decidiu escrever sobre o problema pelo qual enfrentava naquele exato momento. Isso seria algo novo! Algo inédito!
   A página em branco ganhou letras. Escreveu seiscentas palavras sobre um escritor que passava por um bloqueio criativo, as dificuldades de alguém que está seco de ideias. Achou inovador!
   Como se fosse tão passageiro o problema pelo qual Bento passava.

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