quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Porto de Mariel: o presente que o Brasil não comprou

   Eu venho me abstendo de falar qualquer coisa sobre o apoio do governo brasileiro à construção do Porto de Mariel (Cuba) por vários motivos: não está entre minhas leituras mais dedicadas os estudos de política econômica; o mesmo sobre política externa; atacar obras do Partido dos Trabalhadores, hoje em dia, é ser taxado de "colaborador da direita" neste país; apoiar o Partido dos Trabalhadores é ser taxado de "petralha-comuna-golpista" ou "lulista-dilmista"; e por fim, apoiar um projeto Cubano é ser comunista cego que apoia um regime que deixa sua população pobre e faminta. No que que diz respeito aos dois primeiros pontos, fica claro que minha ponderação quanto ao assunto está sujeita a contra-argumentação de quem se aprofunda mais no assunto; quanto aos três últimos, nada mais são que acusações sentimentais, com a pouca argumentação que carrega ser infundada e que não levam como objetivo, em qualquer situação, uma consideração real do projeto, seus verdadeiros impactos e/ou benefícios - não deveriam, portanto, limitar a exposição de uma ideia mais crítica e programática dos fatos.
   Pus-me a escrever mais pela incômoda falta de informação que circulava na internet a respeito do caso, reduzindo-se em sua maioria a uma imagem da presidente Dilma dando "adeus" a milhões de reais dos cofres públicos num projeto cubano. Mas, ora essa! Em meio a tantos protestos, a insatisfação com os gastos nos estádios de futebol, ao descaso da saúde pública, centenas de milhões de reais num porto que nem no Brasil é? Motivo para impeachment! Ou não...
   No interessante Introdução ao estudo do método de Marx, José Paulo Netto nos dá formatos de estudo no mínimo aproveitáveis ao se deparar com qualquer objeto não (completamente) compreendido. "O objetivo(...), indo além da aparência(...) é apreender a essência do objeto(...). Numa palavra: o método de pesquisa que propicia o conhecimento teórico, partindo da aparência, visa alcançar a essência do objeto" ¹. A partir dessa diminuta regra básica, a pergunta que se faz é: por que perder tanto dinheiro assim?
   Tudo começa a se esclarecer com a palavra financiamento (e a partir daqui peço licença para arredondar os valores apresentados - para números mais preciso, sugiro uma visita ao site http://www.brasil.gov.br/infraestrutura) . Aproximadamente R$700 milhões seria o valor que nosso país está dando ao governo de Cuba, se a expressão "financiamento pelo BNDES" significasse a remoção de reais do orçamento da União para serem entregues sem garantia de retorno do valor para o banco. Ou será que o pequeno empresário que financia a aquisição de uma máquina para sua empresa pelo BNDES também está recebendo uma doação do governo brasileiro para lucro próprio? Ao que entendo, e é bom reafirmar que economia não é o meu forte, este valor deve ser pago de volta parceladamente ao Banco com seus devidos juros. Pelo que entendo, também, o Bradesco não sai por aí dando dinheiro às pessoas (muito embora receba vários calotes - não que lhes faça falta, visto o valor que os bancos privados sugam dos cidadãos e da corrosão interna que tais instituições fazem em nossa sociedade). E aí está a falácia do discurso meramente anti-petista (novamente, um discurso sem crítica ao programa ou aos seus benefícios, mas o pobre jogo de intrigas): Cuba constrói um porto com custo aproximado de R$1 bilhão e faz um empréstimo bancário de R$700 milhões com o BNDES, a ser pago em prazo estipulado e juros. Veja só, temos aqui um dinheiro que não seria aplicado na saúde, na educação, na habitação, pois é um crédito bancário (essa anomalia que sustenta a economia do mundo hoje em dia - um dinheiro que não existe mas circula flexivelmente por aí) e minha explicação às taxas de juros, limites de empréstimos e círculo de reais que o BNDES pode oferecer param por aqui e para se ir adiante precisaríamos de um especialista. O importante para tirar a primeira venda do caso está feita: o Brasil não escoou nas águas do Atlântico Norte milhões de reais!
   E se a Alemanha ou a Suíça adquirissem a mesma dívida com o governo, seria motivo para tanto alarde? Utópico, ainda mais com a casa do Euro repousando em Berlim - mas talvez Portugal ou Espanha, mesmo atacados por uma crise, teríamos a mesma agressividade ou sequer um receio de não reaver o dinheiro?
   Até aqui poderíamos ter imaginado mesmo sem qualquer pesquisa e foi justamente a pesquisa que trouxe à tona uma informação surpreendente! E esta eu não vi circulando nas artes com rostinho da presidente.
   Imagine que você vá fazer um empréstimo no banco. O gerente olha sua ficha, dá uma analisada na sua movimentação, olha para o seu rosto e te diz: "tudo bem, a gente te libera o dinheiro, mas pra isso você vai ter que usar essa grana somente para comprar coisas na rede de lojas da minha família - e assine aqui esse contrato de que você vai fazer isso". O governo brasileiro fez praticamente a mesma coisa; para que o crédito fosse aprovado, era necessário que Cuba concordasse em gastar pelo menos R$800 milhões, do total de R$1 bilhão do projeto, em produtos e serviços do Brasil! Cem milhões a mais do que o financiamento feito pelo BNDES e 80% do valor total da obra. Ou seja, o banco liberará um crédito (que, simplificando, é quase um dinheiro fictício - mas qual dinheiro não é nesse século XXI?) e ele deve retornar inteiramente e mais uma parte dentro da economia brasileira através da aquisição de mão de obra e material. Ora essa, não bastasse o valor ter que ser pago novamente em juros ao Banco de Desenvolvimento do Brasil (provavelmente num longo período, visando o tempo em que o porto dará retorno financeiro), esse montante virá com um acréscimo em forma de transações comerciais; o que implica, obviamente, pagamento de impostos da qual as porcentagens já preestabelecidas serão direcionadas à saúde, educação, habitação, etc. A insuficiência dessa administração de impostos para as necessidades é assunto para outro debate.
   Está ficando bem longe da frase "Dilma constrói porto em Cuba", não? Daí, acrescentemos um pouco de política externa sem gastar muito tempo: a América Latina deveria, há muito tempo, e como muitos já tentaram, estar se unindo cada vez mais no sentido econômico, político e comercial. Somos uma região muito rica e de grande potencial para crescimento, mas fragmentamo-nos em divisões e discussões que segmentam e enfraquecem o poder estrutural que esta região possui, fortalecendo o mercado exterior europeu ou norte-americano. Desde as divisões coloniais até os sucessivos golpes de apoio imperialista-estadunidense, temos visto as tentativas do fortalecimento latino-americano retrocederem no que conquistamos, retardando cada vez mais tal união. Um porto como o de Mariel trará benefícios comerciais e de logística para o mercado do Sul, e assim esperamos que se suceda.
   Então a obra é 100% benéfica?
   Voltando ao processo metodológico de estudo esmiuçado por José Paulo Netto, digamos que estamos a meio caminho de descobrir isso. Qualquer projeto de grande escala no Brasil hoje está ligado a empresas de um poderio gigantesco e de um desvínculo com o interesse público que afeta nosso cotidiano desde sempre. Seja a querida e sempre favorecida Odebretch (que está envolvida no Porto de Mariel) ou a protegida OGX, trazida a vida quando beira o infarto, há alguém lucrando (e não é pouco) sobre os serviço públicos brasileiros. E este é um mal em escala mundial, mas que teve uma sombra de "dias contados" no Brasil quando o radical PT ameaçou chegar ao governo com mudanças. Pelo jeito, as empreiteiras viram que cão que muito ladra não morde.
   O Porto de Mariel em Cuba com certeza não é o projeto que mudará o Brasil, que construirá hospitais, que expulsará a FIFA (que tanto clamam pra ir embora) e tornará o Brasil independente do capital burguês. Mas engana-se quem diz que o dinheiro público está sendo dado de mão beijada a um falecido governo comunista que já deveria ter se entregue ao século XXI, globalizado e capitalista. Engana-se, não; desconhece! É por este discurso terrorista, uma briga polarizada que o cidadão brasileiro compra sem perceber que perpetua governos tão similares, que vamos nos arrastando no desenvolvimento e no trabalho de diminuição da desigualdade social. Bom seria que todo empreendimento tivesse a atenção crítica da população, mas que se afastasse do peessedebismo vociferante e do lulo-petismo fanático. Nesse papo, onde fica um projeto para o Brasil de brasileiros?

 ¹ - Introdução ao estudo do método de Marx, José Paulo Netto - Editora Expressão Popular

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