domingo, 6 de abril de 2014

Dor como efeito de progressão natural

   Uma dor, pode parecer banal pontuar, é uma dor não importa onde se manifeste. Diferencia-se em grau, mas não sejamos tão ávidos em lhe botar tipos. É uma dor e basta. Suas diferenciações são analíticas: dor do parto, dor da perda, dor do ferimento, dor de cabeça, dor da saudade. Mas basta aplicarmos uma forma básica, destas que se aprende a constituir logo no ensino fundamental, que constatamos a simplicidade de sua existência; dor é dor.
   Contestam os filósofos, os abstratistas, os religiosos, os utopistas; contestam a tudo! Que a dor do sentimento em hipótese alguma pode ser igualada a dor física pois possui origem distinta. Há que se concordar com tal afirmação, no entanto a dor não é classificada na sua origem, pois ela não é causa, é efeito. Se ela é efeito de coisas distintas, por que a simbolizamos com uma mesma palavra? Tem de existir algo em comum entre os já citados parto, perda, ferimento, cabeça, saudade, sentimento e físico. Ora, todos são coisas naturais, intrínsecas à vida. Ainda assim o conceito de dor virá em tom negativo, sinônimo de caos, de desvio do natural. Como algo natural à vida pode ter um efeito considerado de desordem?
   Uma dor de cabeça ou de estômago, por exemplo, significa que ocorre algo estranho em seu organismo, ou que há nele um agente externo que não lhe pertence ou que reações químicas, através de ação externa ou de combinações fatídicas internas, estão ocorrendo. Mas e a dor do parto? Ela acontece naturalmente, pertence-lhe, não demonstra nada mais que a normalidade. O parto é necessário à vida e não pode existir sem a dor; se o corpo da mulher geme, é porque sente a vinda da criança – mas não seria essa dor também uma característica de anormalidade, visto que o corpo da mulher tem de se esforçar além do que o habitual para trazer a criança para fora? A perda não teria a mesma característica, algo natural à vida mas que pontua um momento de transição esperadamente esporádico e portanto precisa se fazer marcado?
   Ou seja, a dor é tão comum ao homem quanto a felicidade. Está presente há tanto tempo quanto esta última, é-lhe essencial. Ela existe para que, demarcada, possamos nos lembrar temporalmente de fatos importantes: de um acidente, de uma doença, do nascimento do filho, da perda de uma pessoa querida. No entanto a dor não é tão somente de caráter pontualista. Nela está uma função imediata e a faz se impor no curso da vida como efeito. A dor é sensação e reação; a sensação do contato com uma causa inesperada e a reação física/sentimental que primeiro aparece e força o organismo/indivíduo a tomar de forma rápida (e muitas vezes impensada, mas isto por questões de segurança) alguma atitude com relação a esta causa. É este o caráter essencial da dor, informar-nos de uma atitude ou de um objeto que nos é estranho ou inesperado e nos obrigar a reagir perante tal evento. Não fosse a dor, deixaríamos que as causalidades destroçassem tudo a nossa volta e as doenças corroessem nosso organismo sem que nos déssemos conta ou, ainda que tomássemos ciência, não desejássemos resolver o problema ou nos livrarmos da causa. Sem a dor, acabaríamos conosco, permitiríamos que atitudes alheias destroçassem nossas vidas e nossos planos. Não fosse a dor, viveríamos doentes e não passaríamos de poucos anos de existência. A dor é que nos impele a reagir e prosseguir, por isso ela é tão vital e, mesmo virtualmente caótica, é de uma naturalidade das mais significativas.
   Não cabe nestas linhas discutir a relatividade da dor, se ela existe ou não e quais os parâmetros de distinção. Acredito ter feito de forma muito rápida aquilo que pretendia no começo, defender a ideia de que não há distinção de dor, apenas diferenças no seu grau (e talvez esteja nas diferenças de grau que a discussão da relatividade da dor deva ser iniciada).
   Dor é dor, e dói em todo ser que se diz humano.



“Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia.”

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