segunda-feira, 4 de julho de 2011

Madeira diz algo

   Nunca fui de frequentar médicos, como a maior parte dos outros homens; talvez três quintos dos leitores me entendam, afinal de contas eles só nos darão receitas caras que farão a mesma coisa que o tempo fará se deixarmos ele, o tempo, trabalhar um pouco. Evitar exercícios exagerados, friagem, esse tipo de coisa; é uma boa desculpa pra passar tempo em casa lendo um livro ao invés de ter de ir àquela festa em família tediosa que sua sogra planejou. Se nem aos que cuidam do físico eu vou, quanto mais aos da saúde mental, destes que tenho fugido ultimamente. Meu chefe me deu algo que ele chamou de “boa indicação, sem arrependimentos” para me ajudar nos problemas que estava enfrentando em casa, ainda não sei por que fui desabafar logo com o meu empregador. Ele deveria ter se arrependido da mera hipótese de me indicar um psicólogo, não obrigado, ele não resolveria meus problemas. O doutor, no caso da indicação uma doutora, jamais iria entender o que se passa e nunca poderia resolver meu problema, até porque eu era o problema da família e com certeza não iria dizer isso a ela. Se eu não podia nem sequer dizer que eu era o causador de grande parte das discussões familiares, como ela poderia receitar uma solução para o caso? Dispensei no mesmo minuto, não em voz audível, não queria desprezar meu chefe, mas em minha mente Madeira já gritava “cala a boca seu babaca, eu pareço ter cara de que frequento o psicólogo? De onde você tirou essa ideia? Eu só estava tentando criar um assunto, desabafar ou algo assim, não quero que você seja o meu conselheiro pessoal! Eu sei, eu comecei, mas foi um erro, tá legal? Pode parar de falar agora!” e eu realmente acreditava que ele iria perceber as más vibrações que desejavam tapar a boca dele, mas não aconteceu. Eu só ouvi, sorri, agradeci e descartei o papel assim que ele saiu do meu campo de visão.
   Mas havia algo errado em mim, eu tinha noção disso! Acho que foi algum cliente, talvez a benévola vizinha que sempre andava com um vaso novo de plantas nas mãos, aqueles vasinhos pequenos que se podem colocar em cima da geladeira, na verdade eles encaixam em qualquer buraco da casa e por isso nunca há limites para sua aquisição. Enfim, voltando ao conselho, alguém me disse para eu procurar por uma palestra espírita em algum centro. Fui mesmo. Fiquei sentado, é bom ressaltar isso, impacientemente por todos os trinta minutos de conversação etérea que emanava da voz do orador. Obviamente ele não falava pelas cordas vocais, era certo que a alma dele é quem emitia os sons, calmo como a corrente da água, irritante como uma goteira ao lado da cama. Acho que vocês já perceberam que eu sou dado a falas longas e rápidas, não é proposital, fui criado na capital, obrigado a dar indicações de ruas tão rápido quanto a duração do sinal vermelho, não consigo me manter concentrado em diálogos que usam entonações tão longas quanto as avenidas paulistas. Já me disseram que eu daria melhor com os pentecostais, mas prefiro as falas rápidas e com variações de ideias, não costumo repetir sinônimos durante quinze frases seguidas. Quanto a palestra espírita, depois de tentar dormir por três vezes e ser sempre acordado com uma cinquentona que insiste em concordar com o preletor, como se a palestra dele ficasse mais verossímil com suas acentuações de “é assim mesmo” ou “acontece comigo sempre”, tomei por passatempo contar as vezes em que o uso de “nós” e suas variações foram empregadas. Confesso que perdi a conta, mas me ajudou a ouvir alguma coisa do que ele dizia caso alguém perguntasse depois. “Nós devemos”, “nós podemos”, “nós somos”, “nossos antepassados”, “nossa alma”, “nosso corpo”, “nosso mundo”, “nossa geração”, “nossos filhos”. Não sabia se a raça humana fazia parte de uma única entidade invisível e cada um de nós era somente uma de suas facetas, que no caso eu seria a do cético impaciente, ou se aquelas pessoas eram na verdade uma raça alienígena que compartilhava de um único cérebro, movendo todos os corpos numa conspiração hollywoodiana, tantos “nós” fui capaz de ouvir. Fiz uma anotação mental para as frases “somos pessoas de bem” e “somos seres com tendência ao mal”, deixei para analisar depois, mas acabei me esquecendo.
   Enfim, perceberam que não funcionou, certo? Até mesmo eu tinha esperanças, em algum lugar do meu ceticismo matemático, de que haveria algo ali que me ajudasse. Talvez houvesse, mas minha freneticidade não me ajudou muito.  O que posso dizer? Sou apolítico, metropolitano, viciado em café! Tento fazer com que as pessoas a minha volta entendam exatamente toda a minha linha de pensamento antes que possa dizer a minha conclusão. Por exemplo, agora, neste pequeno relato pessoal. Eu pensei primeiro “seria legal mostrar a estes expectadores aleatórios sobre essa coisa de conselhos que não dão certo”. E feito está, três parágrafos insuportáveis de frases destoantes que a maioria de vocês nem chegará a terminar de ler.
   Onde será que deixei aquele papel com o telefone de uma psicóloga, viu? Parece que a indicação era boa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário