quarta-feira, 6 de outubro de 2010

JANUÁRIO DA AVENIDA

    Os cabelos grisalhos de Januário caíam-lhe sobre os ombros. A franja colava-se com o suor em sua testa, desviando-se dos olhos e apontando as bochechas. As rugas contornavam-lhe a boca e os olhos, estas duas pequenas janelas de seu rosto, demonstravam um pensador desgastado que há muito trabalhava. Sua boca, larga, mas de pouca carne e muita pele, dificultava-se em manter firme o forte cigarro pendido. A jaqueta de couro gasto preta amarrotava-se por cima da camisa social de pano fino antes branco, agora amarelado. A calça jeans empoeirada colava em suas pernas acentuando seu físico magro e velho; pareciam não agüentar mantê-lo em pé.
   Sentado na calçada da movimentada avenida, encostado na parede, iniciou o diálogo. Sua voz, pausada pelas tragadas e tosses, escorregava calma e rouca sem pressa alguma, contrastando com o movimento da metrópole. Januário se adequaria mais a um asilo do interior. Seus olhos movimentavam-se, discretamente, ante ao movimento dos pedestres. Era calmo, porém desconfiado.
   - Bons tempos eram quando as cadeiras podiam ser colocadas em frente ao portão de casa.
   Segurou o cigarro entre o dedo indicador e médio da mão direita para tossir secamente. Pigarreou.
   - Nada de perguntas quanto aos amigos das crianças; as ruas eram livres para brincarem com quem quisessem!
   Esperou um jovem de roupas chamativas e cabelos pintados passar em sua frente. Olhou desconfiado, aguardou o tempo que julgara seguro e comentou em baixo tom:
   - Nem sequer sabíamos o que era um bicha.
   Ouviu a pergunta e respondeu com muito mais coragem do que a afirmação anterior. Seu tom de voz aumentou, apesar de permanecer calmo.
   - Se tenho medo de dizer isso? É claro que não! Ajudei a construir essa cidade meu jovem! Sou sim conservador – seu pulmão parece ter expelido um pedaço de si próprio, continuou – e não me refreio quanto aos meus princípios! Se me aparecesse algum moleque maloqueiro sem respeit...
   Um grupo de rapazes com cabelos espetados fazia barulho logo adiante. Acabaram de sair de um bar, mesmo sem terem idade para comprarem álcool, e possuíam o ego-momentâneo tão alto quanto os prédios à sua volta.
   Januário fixou o olhar novamente. Parecia mais compreensivo.
   - O que você queria com este velho acabado mesmo?

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