A comitiva acompanhava o jovem príncipe pelos campos abertos com dificuldade, esforçando-se em manter o ritmo veloz em que o alazão real corria. Ainda imaturo, olhava para trás a gabar-se da destreza de sua montaria e caçoar dos escudeiros que lhe faziam guarda.
À orla da floresta descansou, sorrindo ao contar o tempo em que os demais levavam para alcançá-lo.
- Jovem mestre, - esforçou-se por falar o mais velho dentre o grupo, entrecortando-se ofegantemente para recuperar o fôlego - inveja a seu pai na cavalgada, mas não creio fazer o mesmo na arte da caça!
- Pois abra seus olhos de águia, padrinho, pois minha caçada fará par com a onça! Verás que o filho do rei não está instruído somente nas etiquetas da corte.
Os demais juntaram-se ao jovem nas gargalhadas e até mesmo o padrinho, instrutor do príncipe, riu acanhadamente, em partes descontente com a brincadeira. Os cavaleiros puxaram flechas dos alforjes e retesaram as cordas dos arcos. Ainda rindo entre si, adentraram a floresta para a caça esportiva.
O cavalo do príncipe corria avante dos demais, hábil e valoroso, fazendo de seus movimentos entre os arbustos uma apresentação hípica. O que o montava, espirituoso no afazer, gabava-se dos cervos abatidos, das quais os criados tinham a cansativa tarefa de arrastar para longe das árvores e empilhá-los numa carroça; o jantar da noite seria honra dos cavaleiros mas, principalmente, do exímio filho do rei.
Chegada a terceira hora da tarde, quando a comitiva já estava muito distante do ponto de partida da caçada, um dos escudeiros chamou atenção a todos, informando que era hora de partirem. Deveriam ajuntar as últimas presas e levá-las, juntamente com as outras, aos cozinheiros do castelo. No entanto, o príncipe estava muito entretido, cercando uma lebre esguia que infiltrava-se entre as raízes de uma árvore; não dando ouvidos à solicitação, se afastou do grupo quando o pequeno animal encontrou espaço para correr.
O jovem e seu alazão correram em direção ao fugitivo, proporcionando um certo labor que irritou o convencido príncipe. Talvez fosse o cansaço do cavalo, que passara um dia inteiro cavalgando; talvez fosse mesmo o roedor uma caça trabalhosa. Fosse o que fosse, o rapaz ficou impaciente e, aproveitando uma deixa, atirou-se do cavalo e agarrou a pata da lebre. Esta, magra e ágil, desvencilhou-se do caçador, mas em vão, pois foi encurralada pelo início de uma colina rochosa que se erguia entre as árvores.
- Pensou que se veria livre de minha flecha, animalzinho! Por ser dificultosa, farei de ti meu prato principal esta noite, rodeada de uma saborosa salada e grelhada com extremo cuidado! Pedirei ao mestre da cozinha que te tornes o prato mais belo que suas mãos foram capazes de fazer.
A lebre, inesperadamente, postou-se sobre as patas traseiras e fechou o cenho. Gesticulou com as patinhas dianteiras histericamente e iniciou um discurso, em fala humana, repleto de desaprovações.
- Fazem de nós sua brincadeira! E querer acreditar em nossos avós, que diziam ser os homens os responsáveis por tornar esta floresta tranquila, matando e espantando as onças e águias. Antes houvessem predadores no céu e escondidos no arbusto, do que homens montados em cavalos matando-nos por esporte e lançando-nos em banquetes luxuosos à favor de sua glutonaria, profanando nossos corpinhos fracos! Que eu tivesse servido de sustento a outro animal do que agora, devorado pelos caprichos dos homens!
O rapaz, nunca antes tendo ouvido falar de uma lebre falante, arregalou os olhos e procurou por alguém próximo que tivesse presenciado o mesmo que ele. Mas estava muito longe dos demais e ficou a própria sorte por decidir o que fazer com o mamífero desolado.
- Ora, minha cara lebre! Embora instruído em muitas coisas nas dependências de meu reino, não fui informado da situação das pequenas criaturas. Desculpe minha afronta se ela feriu a ti e teus familiares, mas darei parte do caso perante os sábios do reino e mediarei um lugar seguro para os animais. Creio eu que os homens façam isso sem consciência da existência de uma alma animal, achando que vocês são desprovidos de sentimentos. Mas, sabendo do infortúnio que temos lhes causado, irei em pessoa...
- Não irá a lugar algum, humano - a lebre agora apresentava uma feição exibicionista, com as sombrancelhas erguidas e os olhos semicerrados. Estufou o peito e continuou - Hoje o banquete florestal ficará a cargo da onça que o espreita desde que entrou na floresta, mas não sem o mérito desta lebre que o atraiu à arapuca. Portanto, trate de correr, não em montarias, mas pela sua própria força, que esta onça gosta de brincar com a caça antes de jantá-la.
E antes que o príncipe pudesse digerir as últimas palavras, uma onça saltou da colina a sua frente e, dando-lhe tempo para fugir, correu atrás do jovem, atrasando em alguns passos para aproveitar melhor a caçada. A lebre riu-se durante longos minutos, quando ouviu os demais caçadores chamando pelo jovem. Ela então aprumou-se novamente nas quatro patas e correu para contar aos cervos e lebres, pássaros e lagartos, o prato principal da noite.
Quanto a comitiva, procurou até o anoitecer pelo príncipe. Já desolados, voltaram para a orla da floresta, ensaiando uma resposta ao rei. O padrinho, apesar do semblante abatido, permitiu-se, por um breve momento, pensar se o convencido afilhado finalmente recebera uma lição que pai algum, rei ou não, poderia lhe dar.
Ao chegarem no ponto de encontro, depararam-se com um segundo mistério. Os criados que carregavam os cadáveres dos animais jaziam inconscientes no chão, enquanto a carroça que levaria os corpos estava tombada e, inexplicavelmente, vazia.
Difícil seria explicar ao rei o sumiço do filho, embora a presença de inimigos na floresta fosse uma boa tentativa; contar aos demais como voltaram com a carroça vazia após um dia inteiro de caçada seria impossível.
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