sexta-feira, 4 de março de 2011

Grande Insanatório

Involuntariamente, Damião Castro, outrora homem de bons princípios, se descobre insano, não um inválido candidato à vaga manicomial, porque destes há pouco a se falar além de que são perigosos e incapazes de controlar suas absurdas ações, mas sim o do pior tipo, que tem consciência de que perdeu a sanidade. Não soube, a princípio, a quem atribuir o juízo que o fê-lo saber de sua loucura, passando muito tempo a estudar os últimos meses de sua vida à procura de indícios decadenciais; acabou por creditar à peculiar inteligência que possuía, sempre atento ao meio em que vivia, este mesmo meio da qual ele concluiu ser o responsável pela sua doença mental.

Perante a descoberta de uma doença gravíssima, o desafortunado deve optar por algumas ações primordiais, que serão cruciais para o desenlace de sua vida, agora convivida com um mal provavelmente vitalício, seu mais fiel companheiro, que não o viu nascer, mas provavelmente estará junto a si no leito de morte; a primeira delas é a quem contar, ou se contar, de sua situação; a esposa deve ou não saber, sua mãe há de chorar ou se fará forte para consolar-te, deve ser consultado primeiramente um médico, no caso de ter descoberto a doença por conta própria, como é raro, mas é esta a situação, ou o amigo que compartilhou sua infância e compareceu ao seu casamento, ou talvez a ninguém, basta a si próprio para quem o conhecimento da fatalidade já machuca, para que ferir aos seus queridos? O dilema tomou todo o dia de Damião. A segunda-feira começara com mais agouros ruins do que normalmente se começa, e ao recém-insano não cabia a opção de faltar ao serviço, tanto mais que em breve perderia o emprego, quando se fizesse saber o patrão do caso, melhor seria raciocinar durante todo aquele dia antes de tomar alguma decisão duradoura. Como de costume, não acordou a senhora Castro, mulher madura, e resguardou o beijo matinal, para que não a acordasse, embora ela nunca despertasse com o delicado beijo do esposo, apenas sentia-o em seus sonhos e alegrava-se por saber que ainda a amava o marido; levantou silenciosamente, trocou-se e partiu ao trabalho sem fazer qualquer ruído desnecessário. Como consultor empresarial de uma lucrativa empresa de estofarias, pôde ele trancar-se em seu escritório, aparentando ocupadíssimo, e tirar o dia para reflexões. Três telefonemas interromperam sua meditação, mas ainda assim foi capaz de formular algum caminho a que seguir mediante sua situação. Não contaria, por esta semana, a ninguém do ocorrido, nem mesmo a senhora Castro, procuraria primeiro estudar quais as alterações que sua deficiência viria a lhe causar em sua rotina; devemos saber em que nos afeta o mau para só depois adequarmos, sendo esta a melhor maneira de saber se ainda é possível vivermos uma vida normal. Separou um pequeno caderno de anotações, recém-fornecido pela empresa, com apenas duas páginas utilizadas, rasgou-as e deitou o bloco em sua escrivaninha; nele escreveria as ponderações diárias e observações quanto às deformações que lhe haveriam de aparecer.

Sabe-se que está louco quando tudo a sua volta parece-lhe insano; Damião dera à consequência o cargo de causa.

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