Lá estou
jogado no hospital, esparramado numa cadeira de rodas gelada, encostado num
canto qualquer de um corredor gelado às três horas de uma madrugada gelada. A
tremedeira incontrolável do meu corpo denunciava algo errado em mim, caso não
fosse convincente a transcrição das sessões de vômitos e falta de ar nas
últimas seis horas.
Não haveria
possibilidade de ter chegado ao local por conta própria; fui acudido por um
primo que me deixou entregue ao excelente trabalho profissional médico da
cidade (palmas a eles) e impedido de ser acompanhado, pelo irmão, que fosse –
maior de dezoito vai desacompanhado, mesmo que não consiga andar e não haja
nenhum enfermeiro para a assistência.
O primeiro
assistente a aparecer, longos minutos após minha entrada, questionou:
— Houve uso
de drogas?
— Não – a resposta
soltou-se naturalmente entre o sôfrego respirar.
— De nenhum
tipo? Ou bebida alcoólica?
A mesma
resposta, sem forças para ser detalhada. O médico responsável chega com o
formulário.
— Falta de ar
e fraqueza?
Assenti.
— Houve uso
de drogas ou bebida?
Neguei.
Interessante como, quando se consente, a necessidade de confirmação se ausenta.
No caso da negação, a dúvida impera.
— Tem
certeza? Nenhum tóxico ou fumo? Ou bebida alcoólica, energética?
Reafirmei, no
caso re-neguei (desculpe o traço, sem ele o sentido da palavra poderia ser mal
compreendido). Não obstante ao óbvio – um jovem de vinte e tantos anos, sem ar,
sem forças para andar e tremendo tem a predefinição de estar drogado – ele avançou
ao próximo estágio de doença moderna disseminada:
— Está
nervoso? – não doutor, estou contentíssimo em passar mal e me entregar aos seus
cautelosos cuidados; não tinha forças para responder desta forma, esperei que
ele disparasse a próxima pergunta – Está sofrendo algum tipo de pressão,
momentos de stress? Está passando por dificuldades? Anda ansioso?
De primeira,
esbocei meu não com o balançar horizontal da cabeça. Para não mudar o padrão,
ele repetiu as perguntas – nervoso?, problemas?, stress?, ansioso?,
expectativas?, impaciente? – o que me levou a uma rápida reflexão e uma
conclusão clara: sim, eu estava! Um milagre, o médico tirou do meu interior a
resposta para os problemas.
— Sim, talvez
um pouco – respondi exausto pelas apunhaladas que o meu metabolismo vinha me
aplicando naquelas horas. Ora, me diga você, quem não sofre destes males? Quem
não possui um problema sequer, não mantém uma gota de ansiosidade? Alguém sem
desejos, é provável, sem expectativas. Que pergunta a do doutor! Deveria ter
pulado, o rapaz chegou tenso e debilitado, não é drogas, marca no papel “é o
mal do século” que já se resume tudo!
O resto é
padrão. Aplicou o soro, esqueceu-me lá e foi dormir até que dessem conta, um
par de horas depois, que eu ainda estava tombado num canto. Acordaram o
profissional, assinou a ficha e me dispensou. Só por curiosidade, antes de lhe
entregar a ficha para a liberação, dei uma conferida no “prontuário”. Havia lá
o campo dos problemas, preenchido pela meticulosa letra médica: problemas
familiares! Sim, fui até o hospital de madrugada, soltei-me numa cadeira para
debilitados e esperei o castigo da ineficiência do sistema médico municipal
simplesmente para limpar de minhas veias, com o miraculoso soro, os meus
terríveis problemas familiares, estes das quais não sabia que possuía até ler o
tal formulário.
Pelo menos me
vi salvo das estatísticas de mortalidade dentro dos hospitais por erro médico.
Sou um vitorioso, ao final das contas! Devia é estar agradecendo a campanha bem-sucedida
da equipe plantonista.
O erro, no
caso, foi meu por ter comentado muito baixo e uma única vez para a moça que me
recebeu na porta do hospital que provavelmente havia pegado uma virose. Ora,
havia até me esquecido que no dia anterior sentei à mesa ao lado de quatro
outros indivíduos que estavam infeccionados. Não posso negar que eu estava
ansioso, o que deve contar mais do que um vírus nestas ocasiões.
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