Em uma mesa
redonda estão sentados, nesta ordem, Woody Allen, Isaac Asimov, José Saramago,
Stanley Kubrick e John Lennon. Há papéis, copos e garrafas de água, vinho e
refrigerante pela mesa. Woody Allen batuca nervosamente o dedo no tampo, Asimov
escreve incessantemente numa pilha de folhas, Kubrick derrama calculadamente
vinho em seu copo, John Lennon está entretido com o cigarro na boca
cantarolando enquanto Saramago cochila. Com exceção do murmurar de Lennon e do
batuque do Allen, tudo está em silêncio. Uma placa pendurada em cima da porta
diz “Liga dos Óculos”.
Asimov – Estão esperando
a quem? Podem iniciar a reunião!
Saramago (ainda
na posição de cochilo, os olhos fechados) – Ora pois, estamos a esperar por ti.
Que quer que façámos, iríamos atrapalhar-te.
Asimov – Mas não
atrapalham. Posso muito bem continuar enquanto discutimos o assunto.
Woody Allen –
Precisamente! E vamos continuar, que já cansei de escutar o ruído desse lápis.
Afinal de contas, o que tanto é que você escreve aí que não para nunca? A
continuação do Velho Testamento?
Asimov – O livro
de regras da Liga, o que mais? É necessário a ordem e a decência em prol do
futuro de nosso grupo.
(Allen puxa
rapidamente a folha em que Asimov escrevia)
Allen – “Somente
em caso de deterioração do solo terráqueo ou baixa qualidade do ar em todo o
globo, impossibilitando a manutenção da vida na Terra, é que fica permitido a
sede da Liga dos Óculos ser transferida para uma estação espacial ou colônia extraterrestre,
ficando a priori o local mais próximo do nosso planeta natal”. Mas que
baboseira é essa? Deveríamos estar preocupados com nossa aparência,
pelo menos. Quem é que levaria a sério um clube de homens esquisitos com óculos
gigantes na cara? Menos ainda se lessem isso. É terrível!
Lennon –
Acalmem-se, acalmem-se. Imagine que não há limites espaciais, não haveria
preocupação com nossa sede. O Universo é nosso lar! Lutaremos pelo bem do nosso
planeta, é claro. Mas onde exista a voz de um homem gritando pela paz, lá
haverá uma humanidade a ser guiada.
Allen – Vamos deixar
o transcendentalismo, John. Atenha-se a estas regras sem sentido!
Saramago – Claro
está que devemos prezar pelas regras primárias, passemos depois as secundárias e,
quanto às terciárias, que fiquem numa próxima pauta que essa demora já se
prolonga muito.
(Kubrick reclama
de algo consigo mesmo e devolve um tanto de gotas do vinho que estava no seu
copo de volta para a garrafa. Olha para o copo do Saramago, que continuava com
os olhos fechados, e o enche pela metade, contando milimetricamente)
Asimov (tomando
de volta o papel da mão de Woody Allen) – Quem pediu para que eu escrevesse as regras
foram vocês mesmos, em votação quase unânime. E levará mais um tempo para termina-lo,
ainda estou na página quinhentos e quarenta e sete.
Allen – Pelo
rabino! Ele está escrevendo as condições químicas e físicas de cada membro, é a
única explicação! Por que demos a ele o cargo de regrista?
Asimov – Esse cargo
não existe, muito menos o termo.
Saramago (todos
achavam que ele já havia caído no sono profundo e se assustam ao ouvi-lo) – Não
estranhe a palavra desusada, caro Asimov, há reuniões como esta em que as
comuns não apetecem.
Lennon – Se não
me engano, era o Stanley quem estava escrevendo antes. Eu bem que disse, para
vivermos em compartilhamento mútuo não deveria haver um livro de regras. Só cria-lo
já causa problemas.
Allen
(escondendo o rosto entre as mãos) – Ah, sim... O Kubrick!
Lennon – Que aconteceu?
Não lembro de desarmonia naquela reunião.
Allen – Como não?
Saramago – Pois o
homem se pôs a escrever a mesma página todos os dias e fazia-nos ouvir as
mudanças a cada reunião e sempre achava ali um erro que devia ser concertado.
Sabe-se lá quantas vezes ele reescreveu o mesmo parágrafo como se fossem os takes ruins que ele vê repetidamente
quando fecha bem os olhos.
Asimov – Naquele
passo de elefante, não chegaríamos a lugar algum.
Saramago – Muito menos à
corte.
Allen – Nem por
isso vai inventar de fazer tantas páginas como se escrevesse uma enciclopédia galáctica
– ou copiasse toda a Wikipédia.
Lennon – Imagine
quando este livro estiver pronto!
Allen – Não quero
nem imaginar, John.
Saramago –
Encerraremos a reunião por aqui, ou ao menos eu parto, que Pilar já vem me
buscar para irmos ao médico. Pilar? Pilar? Pilar? (e Saramago sai da sala chamando pelo nome)
Allen –
Excelente! O que vamos fazer agora... Pare de encher e esvaziar esse copos!!!
Kubrick ( para,
encara Woody Allen, olha de novo para os copos, derrama as últimas gotas e os
deixa quietos na mesa) – Existe alguma regra, destas que estão prontas, quanto
a saída de um membro?
Asimov – Sim,
sim. Na seção dezessete, capítulo três, no terceiro parágrafo há dez leis
quanto ao processo de uma reunião já iniciada que tem de se encerrar por
eventos diversos. O sétimo se refere à saída de um dos membros, o que
impossibilita a reunião de ser concluída, já que a quantidade de participantes
no início da pauta não é a mesma do final. Sendo assim, temos que encerrar o
encontro e finalizar a discussão na próxima reunião e isso desde que os mesmos
membros que iniciaram esta estejam naquela.
Allen – Cristo!
Eu poderia estar em Paris agora, como fui me meter nesse clube de loucos.
Enfim, o que quer que funcione, está valendo...
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