Uma dor, pode
parecer banal pontuar, é uma dor não importa onde se manifeste. Diferencia-se
em grau, mas não sejamos tão ávidos em lhe botar tipos. É uma dor e basta. Suas
diferenciações são analíticas: dor do parto, dor da perda, dor do ferimento,
dor de cabeça, dor da saudade. Mas basta aplicarmos uma forma básica, destas
que se aprende a constituir logo no ensino fundamental, que constatamos a
simplicidade de sua existência; dor é dor.
Contestam os
filósofos, os abstratistas, os religiosos, os utopistas; contestam a tudo! Que
a dor do sentimento em hipótese alguma pode ser igualada a dor física pois
possui origem distinta. Há que se concordar com tal afirmação, no entanto a dor
não é classificada na sua origem, pois ela não é causa, é efeito. Se ela é
efeito de coisas distintas, por que a simbolizamos com uma mesma palavra? Tem
de existir algo em comum entre os já citados parto, perda, ferimento, cabeça,
saudade, sentimento e físico. Ora, todos são coisas naturais, intrínsecas à
vida. Ainda assim o conceito de dor virá em tom negativo, sinônimo de caos, de
desvio do natural. Como algo natural à vida pode ter um efeito considerado de
desordem?
Uma dor de cabeça
ou de estômago, por exemplo, significa que ocorre algo estranho em seu
organismo, ou que há nele um agente externo que não lhe pertence ou que reações
químicas, através de ação externa ou de combinações fatídicas internas, estão ocorrendo.
Mas e a dor do parto? Ela acontece naturalmente, pertence-lhe, não demonstra
nada mais que a normalidade. O parto é necessário à vida e não pode existir sem
a dor; se o corpo da mulher geme, é porque sente a vinda da criança – mas não
seria essa dor também uma característica de anormalidade, visto que o corpo da
mulher tem de se esforçar além do que o habitual para trazer a criança para
fora? A perda não teria a mesma característica, algo natural à vida mas que
pontua um momento de transição esperadamente esporádico e portanto precisa se
fazer marcado?
Ou seja, a dor é
tão comum ao homem quanto a felicidade. Está presente há tanto tempo quanto
esta última, é-lhe essencial. Ela existe para que, demarcada, possamos nos
lembrar temporalmente de fatos importantes: de um acidente, de uma doença, do
nascimento do filho, da perda de uma pessoa querida. No entanto a dor não é tão
somente de caráter pontualista. Nela está uma função imediata e a faz se impor
no curso da vida como efeito. A dor é sensação e reação; a sensação do contato
com uma causa inesperada e a reação física/sentimental que primeiro aparece e
força o organismo/indivíduo a tomar de forma rápida (e muitas vezes impensada,
mas isto por questões de segurança) alguma atitude com relação a esta causa. É
este o caráter essencial da dor, informar-nos de uma atitude ou de um objeto
que nos é estranho ou inesperado e nos obrigar a reagir perante tal evento. Não
fosse a dor, deixaríamos que as causalidades destroçassem tudo a nossa volta e
as doenças corroessem nosso organismo sem que nos déssemos conta ou, ainda que
tomássemos ciência, não desejássemos resolver o problema ou nos livrarmos da
causa. Sem a dor, acabaríamos conosco, permitiríamos que atitudes alheias
destroçassem nossas vidas e nossos planos. Não fosse a dor, viveríamos doentes
e não passaríamos de poucos anos de existência. A dor é que nos impele a reagir
e prosseguir, por isso ela é tão vital e, mesmo virtualmente caótica, é de uma
naturalidade das mais significativas.
Não cabe nestas
linhas discutir a relatividade da dor, se ela existe ou não e quais os
parâmetros de distinção. Acredito ter feito de forma muito rápida aquilo que
pretendia no começo, defender a ideia de que não há distinção de dor, apenas
diferenças no seu grau (e talvez esteja nas diferenças de grau que a discussão
da relatividade da dor deva ser iniciada).
Dor é dor, e dói em
todo ser que se diz humano.
“Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu, fizeram-no
de carne, e sangra todo dia.”