sábado, 5 de fevereiro de 2011

Homem-Único e o Estranho Caso dos Observadores

O apartamento de um único cômodo, mal iluminado, encaixava-se em um dos muitos blocos ciliares à avenida. Por fora, nada mais era do que uma janela entre centenas de outras. Por dentro, exercia o papel, não de lar, mas de uma pousada momentânea, um descanso para as já pulsantes pernas que as ruas metropolitanas castigavam.
O dono do alojamento, no entanto, desconsiderava-se apenas uma adição ao número populacional. Tinha em si um ego alto e alegava, geralmente para ele mesmo, outras a um involuntário espectador, que era um ser humano distinto dos demais. Apresentava suas digitais e descrevia o conceito de não haver outra no mundo igual as suas. Convicto da individualidade, adquiriu imunidade a epidemia que alastrou pelo mundo.
Naquela manhã, diferente das demais, o convencido sujeito acordou com o silêncio súbito acometido à avenida. Seus ouvidos foram amaciados, com o tempo, pelos estrondosos ruídos veiculares de tal modo que, na presença do completo silêncio, ele despertou. Duvidoso se estaria ainda sonhando, levantou-se vagarosamente e coçou os olhos, desgrudando-os da remela que os unia. Parado, fitando o chão, aprumou os ouvidos e certificou-se de que realmente não ouvia qualquer som. Testou um bocejo, garantindo-se de que não sofria de surdez.
Inconformado de que, mesmo passados cinco minutos, ainda carro algum cortara a via, partiu para a janela. Puxou as cortinas em etapas pausadas, para aumentar a expectativa do que iria ver.
Embora ele realmente tenha dirigido primeiro sua atenção para o trânsito vazio abaixo, sua surpresa foi causada por outro detalhe. À sua frente, nas centenas de janelas fixadas nos prédios, do mais longe que sua visão pudesse alcançar tanto para a esquerda quanto para a direita, postavam-se cidadãos, imóveis, defronte suas janelas, estáticas e silenciosas. Poderiam passar por manequins se não fosse a obviedade de se tratar dos moradores dos prédios.
Associando a estranheza do cenário com a ausência de carros na movimentada avenida, o pasmo observador concluiu que todas as pessoas afligiam-se do mesmo mau, qualquer que ele fosse.
A princípio, orgulhou-se da imunidade; repassou por um momento seus discursos sobre a individualidade. Mas ele não possuía a convicção de ser diferente de todos os demais no sentido de todos os demais serem iguais, com exceção a ele. Um complexo de super-homem heroico invadiu seus pensamentos. Chamou a si mesmo de Homem-Único. Vestido de uma roupa mais elegante, que consistia em terno, gravata e sapatos, saiu do edifício disposto a encontrar uma resposta satisfatória e, possivelmente, uma solução ao problema.

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